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Aborto não é (mesmo) método contraceptivo, mas é uma necessidade eventual

30 de agosto, 2018

por Debora Diniz

Publicado originalmente na Revista Marie Claire

“Aborto não é método contraceptivo”. Essa é frase que escuto com certa frequência por quem se lança “contra o aborto”. Há dois erros nessa sequência de argumentos: o primeiro que não há pessoa razoável que sustente o aborto como método contraceptivo comparável à camisinha ou à pílula anticoncepcional; o segundo é a tolice de se anunciar contra ou a favor de políticas de saúde ou escolhas individuais. É preciso repetir com objetividade: aborto não é método contraceptivo, assim como não é tema para disputa com torcida.

O Reino Unido acaba de autorizar que o aborto por medicamentos seja feito em casa. As mulheres recebem as pílulas e decidem quando tomá-las. Não é preciso ir a uma clínica e permanecer sob supervisão de profissionais com jaleco branco: a mulher recebe as orientações médicas, informações legais e o amparo psicológico e, ao lado de sua família ou amigos, inicia o aborto. Se assim pode ser feito é porque estamos diante de um procedimento de saúde de baixíssimo risco e que pode ser auto-administrado. Em casa, ela pode, inclusive, aprimorar seu tempo de reflexão ou mudar de ideia. O aborto com medicamentos pode ser feito até a décima semana de gestação.

Essa é também a política de saúde na Colômbia, nos casos em que o aborto é permitido em lei. A mulher recebe os medicamentos, realiza o aborto em casa, e imediatamente inicia um plano de contracepção adequado à sua vida. Não há aborto dissociado de um projeto de planejamento familiar, seja o DIU, a pílula anticonceptiva, a laqueadura ou a vasectomia. É isso que se chama saúde sexual e reprodutiva integral – aborto é parte dela, mas não um método contraceptivo. Rebeca Mendes, a brasileira que foi a Colômbia para um aborto, já saiu da clínica que a atendeu com um implante hormonal de longa duração.

Quem insiste em descrever o aborto como método contraceptivo são, em geral, os mesmos que se anunciam “contra o aborto”. Essa confusão entre teses ou é erro ou má fé. Nenhuma mulher faz uso do aborto como se submete ao uso diário e de longa permanência de hormônios contraceptivos: o aborto é uma exceção em sua experiência reprodutiva, e, na maior parte dos casos, um evento único e necessário. Ao associar a política de descriminalização do aborto à de direitos sexuais e reprodutivos, como de prevenção da violência contra a mulher ou de sensibilização dos homens para a contracepção, há redução do número de abortos – somente conhecendo as razões por que uma mulher faz um aborto é que se pode prevenir o segundo aborto. Essa é, certamente, a melhor evidência de que aborto não é um método contraceptivo, mas uma necessidade eventual de saúde.

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