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A proteção à infância ao enfrentar o cárcere

19 de fevereiro, 2018

por Sinara Gumieri

Publicado originalmente no Portal Justificando

Nenhum brasileirinho deve nascer na prisão”. Essa tem sido frase recorrente da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Não faltam leis para apoiar a declaração da ministra. Do princípio constitucional da absoluta prioridade de direitos de crianças e adolescentes ao Programa Criança Feliz, com foco em desenvolvimento infantil até seis anos, o Brasil parece ser um país comprometido com o cuidado de pessoas recém-chegadas ao mundo.

Há leis brasileiras que reconhecem a desigualdade de gênero que faz das mulheres as principais cuidadoras de crianças, o que significa que o impacto de sua prisão sobre famílias é maior do que quando homens são presos.

Pesquisa recentemente concluída pela Anis – Instituto de Bioética mostrou que, dentre as 116 mulheres presas em regime fechado no Distrito Federal, em 2014, que tinham registro no Cadastro Único – o instrumento de identificação de famílias de baixa renda do país –, 74% viviam abaixo da linha da pobreza, e 47% eram responsáveis financeiramente por suas famílias.

Seu perfil espelha o da população prisional feminina em todo o país: são mulheres jovens, negras, mães e presas por tráfico de drogas ou crimes patrimoniais.

A Lei de Execução Penal prevê desde 2009 que presídios femininos contenham instalações capazes de abrigar crianças de até sete anos filhas de mulheres presas. Mas presídio não é lugar para pessoas em desenvolvimento – se é que é lugar para alguém –, como bem sabe a ministra Carmen Lúcia.

Assim, o marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016), além de determinar que é preciso saber se a pessoa presa tem filhos, de que idade, se são pessoas com deficiência, e quem deles cuida,também prevê que mulheres grávidas ou com filhos menores de 12 anos – ou seja, crianças na definição legal – podem ter prisão preventiva substituída por prisão domiciliar.

Adriana Ancelmo, mulher branca, rica e ex-primeira dama do Rio de Janeiro, acusada de corrupção e outros crimes, foi beneficiada pela prisão domiciliar do Marco da Primeira Infância, em março de 2017. A decisão provocou estardalhaço: promotores e juízes se preocuparam com as expectativas de justiça que o caso poderia provocar em outras mulheres presas.

Em maio, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) pediu ao STF em habeas corpus coletivo (HC 143641)que todas as mulheres gestantes ou mães de crianças que estejam presas preventivamente sejam colocadas em liberdade ou, pelo menos, em prisão domiciliar.

O primeiro desafio do caso é descobrir quem são todas essas mulheres, porque o Brasil ainda não sabe quantas mulheres grávidas estão presas, assim como o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) mostra que não se sabe quantos filhos viagra buy têm as pessoas encarceradas no país.

O ministro Ricardo Lewandowski determinou que o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) identifique as mulheres que podem ser beneficiadas pelo habeas corpus coletivo. O julgamento do caso está marcado para dia 20 de fevereiro.

Se o STF fizer a coisa certa, quem sabe histórias de horror como a de Jéssica Monteiro deixam de acontecer. Apreendida com 90 gramas de maconha e sem antecedentes criminais, Jéssica não esteve presente à audiência de custódia porque dava à luz no momento. Mas juiz e promotora do caso determinaram que ela fosse presa preventivamente. Assim é que Henrico, bebê de dois dias de vida, foi parar dentro de uma cela suja, escura e pequena com sua mãe, uma mulher jovem e negra.

Ao enfrentar o cárcere, a pátria da criança feliz precisa ainda aprender a lição número um da proteção à infância: não existe garantia de direitos de crianças sem respeito aos direitos de mulheres, especialmente mulheres negras.

A pauta urgente não termina no direito à prisão domiciliar: é preciso agir sobre a política de guerra às drogas e outras causas que levaram o encarceramento de mulheres no país a crescer mais de 500% entre 2000 e 2014.

Se crianças em situação de vulnerabilidade importam para o Brasil, que se garanta às mulheres condições para fazer o que só elas – e não as leis – fazem: cuidar, educar, alimentar, acolher, ensinar, criar crianças.

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