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‘Cartas de uma menina presa’: livro mostra diálogo entre professora da UnB e jovem privada de liberdade

6 de setembro, 2018

Lançamento será nesta quinta-feira, em casa de internação do DF. Uma das autoras segue detida na Papuda.

Por Marília Marques

Publicado originalmente no G1

Duas mulheres trocam cartas. Uma delas está detida em uma unidade de internação para adolescentes, no Distrito Federal. A outra, professora da Universidade de Brasília (UnB), escolheu frequentar a “cadeia” ao longo de um ano.

Este é o fio condutor da narrativa que conta a história de Talia* – adolescente em cumprimento de medida socioeducativa – e da pesquisadora Débora Diniz, considerada um dos 100 pensadores globais de 2016. Elas usaram papel e caneta para se comunicar, e transformaram a troca de experiências em um livro. O lançamento será nesta quinta-feira (6) em Brasília.

O local escolhido para o lançamento de “Cartas de uma menina presa” é a mesma unidade de internação em que as duas autoras se conheceram, em Santa Maria. A casa recebe meninas dos 13 aos 17 anos. Até esta quarta (5), 20 adolescentes cumpriam pena por algum ato infracional.

“O livro descortina o encontro entre pesquisadora e adolescente, desvenda os segredos e curiosidades mútuas e apresenta o passado de uma importante traficante de Brasília”, diz o resumo.

Carta escrita por Talia à professora Débora Diniz — Foto: DivulgaçãoCarta escrita por Talia à professora Débora Diniz — Foto: Divulgação

Carta escrita por Talia à professora Débora Diniz — Foto: Divulgação

A reportagem não conseguiu contato com Talia. Já maior de idade, em 2017, – um ano após deixar a unidade de internação para adolescentes – ela chegou a ingressar em uma universidade, mas voltou a ser presa por tráfico de drogas. A pena é de 11 anos.

Ciclo de reincidência

Ao G1, Débora Diniz contou que decidiu investigar a vida em uma unidade de internação de adolescentes depois de pesquisar a vida de mulheres no presídio feminino de Brasília (Colmeia). Atualmente, mais de 15 mil presos, entre homens e mulheres, cumprem pena no DF.

“Descobrimos que 1 em cada 4 mulheres em regime fechado já tinha passado pela unidade de internação”, afirma. “Significava que, ao passar por lá, voltavam para o mundo e caiam de novo no sistema.

“Então, tentei entendê-las na fase anterior ao presídio: quem eram elas? O que tinha acontecido? Por que a rua era mais atrativa que a escola?”

Adolescente em medida socioeducativa lê jornal em alojamento da unidade — Foto: DivulgaçãoAdolescente em medida socioeducativa lê jornal em alojamento da unidade — Foto: Divulgação

Adolescente em medida socioeducativa lê jornal em alojamento da unidade — Foto: Divulgação

O encontro

Nas cartas trocadas, Débora descreve o momento em que chega ao corredor onde Talia está alojada, na unidade. “Com os trejeitos típicos de uma acadêmica, como tantas que visitam cadeias”, descreve a pesquisadora.

A professora passou a frequentar a unidade seguindo uma escala de plantão dos agentes socioeducativos, que fazem a segurança do local. A cada três dias, Débora passava de 12 a 24 horas circulando pelos corredores de jovens internos.

Como não há televisão nas celas e o tempo da sentença é comprido, em uma dessas ocasiões, Talia chamou a professora e pediu livros – “queria ler o que se lê fora dali”. No pedido por literatura, a jovem, à época com 17 anos, queria conhecer mulheres que escreviam sobre histórias do mundo, lembrou Débora. Foi então que as trocas começaram.

“As cartas começam sobre perguntas sobre quem sou, se tenho medo dela, e sobre o que eu fazia ali. E eu faço perguntas de volta.”

Trecho do livro 'Cartas de uma menina presa' — Foto: DivulgaçãoTrecho do livro 'Cartas de uma menina presa' — Foto: Divulgação

Trecho do livro ‘Cartas de uma menina presa’ — Foto: Divulgação

“Em presídios não se pode usar canetas, porque viram arma. Então, recebi autorização para distribuir canetas flexíveis, e todas as meninas passaram a ter papel e caneta para escrever diários e cartas”, lembra Débora.

Com a iniciativa, cerca de 15 internas da unidade passaram a participar das trocas. Em 13 meses, foram 200 cartas trocadas.

Venda de livros

Mesmo presa pelo tráfico de drogas, Talia decidiu voltar a estudar. Ela foi aprovada no curso de gestão pública – modalidade à distância – em uma faculdade particular de Brasília. A mensalidade será paga com o valor arrecadado com a venda dos livros.

Uma versão está disponível para download a quem enviar e-mail (veja instruções abaixo) para o Instituto de Bioética (Anis). A edição é gratuita, mas é sugerido que leitores doem valores, justamente, para custear o curso de Talia.

As adolescentes que cumprem pena na Unidade de Internção de Santa Maria vão receber cópias físicas e gratuitas da obra.

Fachada da Unidade de Internação de Santa Maria, no Distrito Federal — Foto: Pedro Ventura/GDFFachada da Unidade de Internação de Santa Maria, no Distrito Federal — Foto: Pedro Ventura/GDF

Fachada da Unidade de Internação de Santa Maria, no Distrito Federal — Foto: Pedro Ventura/GDF

Dois universos

O livro lançado nesta quinta-feira retrata, principalmente, a diferença de vivências entre as duas autoras. Em um dos trechos, por exemplo, Talia – jovem em cumprimento de medida socioeducativa – conta para Débora – pesquisadora da UnB – como foi vê-la passar sobre um viaduto que abriga uma cracolândia em região central de Brasília.

“Talia me olha como a madame que passa sobre o Buraco do Rato, onde ela vendia drogas. Foi um encontro inesperado”, relembra Débora.

Em outro capítulo, a jovem também descreve as emoções de estar prestes a completar 18 anos. “Não acredito que cheguei. Tenho a euforia que estou viva tendo chegado aos 18 anos”. Em resposta, Débora confessa “nunca ter sentido uma euforia por ter sobrevivido”.

*Talia é o nome fictício da mulher presa. Ela preferiu não ter a identidade revelada.

Serviço

  • Lançamento do livro “Cartas de uma menina presa”
  • Quando: quinta-feira (6)
  • Horário: 15h
  • Local: Unidade de Internação de Santa Maria
  • Para mais informações sobre o livro: comunicacao@anis.org.br

 

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