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Aborto como direito humano

11 de julho, 2018

por Laina Crisóstomo

Publicado originalmente no Justificando

O Brasil é um país conservador que vem de uma tradição religiosa que não separava Estado da Igreja, e ainda não separa, não somente o Brasil, mas todos os países da América Latina e Caribe. E falar de aborto sempre foi e sempre será um tabu, afinal não se quer dialogar sobre o direito das mulheres, mas sim sobre corpos femininos como depósitos de espermas e de bebês, simplesmente incubadoras para servir aos homens e ao moralismo. Aborto para a sociedade não é crime e sim pecado, mas como podemos viver num estado dito laico onde valores religiosos falam mais alto do que direitos humanos?

Falar sobre sexo, sexualidade, orientação sexual, identidade de gênero é algo entendido como estimulo, “ideologia de gênero”, menos como formação inclusive para prevenir abusos e violações, afinal conhecer o corpo é fundamental para uma vida saudável. É importante lembrar que por anos sexo tinha como objetivo somente a reprodução, hoje, além disso, é também para satisfação do prazer e quando mulheres querem sentir prazer são acusadas de promiscuas, pecadoras, mas quando homens satisfazem seu prazer, inclusive estimulados desde a infância, são elogiados e motivados a serem cada vez mais “pegadores”.

No Brasil está presente no Código Penal1 possibilidades de Aborto Legal e mais recentemente foi aprovado o direito de aborto legal em caso de fetos anencéfalos conquistado por decisão do STF no ano de 20122. Seguem os casos em que não serão punidos:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
– se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

 

Todavia a Bancada Fundamentalista presente no Congresso Nacional tem planejado a retirada de direitos das mulheres, como foram projetos como Estatuto do Nascituro, PEC 181 e Projeto de Lei 5069/2013.

O texto original do Projeto de Lei 5069/20133 de Eduardo Cunha falava sobre detenção a toda pessoa, inclusive profissionais de saúde, que orientasse uma mulher quanto aos procedimentos seguros para a prática do aborto. Entretanto as emendas realizadas pelo deputado Evandro Gussi do PV, piorou o projeto e mesmo após a Lei 12.845/20134 sancionada para garantir a obrigatoriedade do SUS em atender de forma integral vitimas de violência sexual, sugerindo a desobrigatoriedade de profilaxia em caso de estupro e retomando a necessidade de corpo de delito para que a mulher comprove a violência sofrida.

O Estatuto do Nascituro5 (PL 478/2007) teve como proposta inicial encaminhada à Câmara dos Deputados pelos deputados federais Miguel Martini e Luiz Carlos Bassuma, propondo a modificação do código penal brasileiro para que o aborto fosse qualificado como crime hediondo e proibido em todos os casos, além de proibir o congelamento, descarte e comércio de embriões humanos, com a única finalidade de serem suas células transplantadas em adultos doentes. Pelo estatuto, mesmo não nascidos, já são considerados seres humanos, tendo direito à assistência médica custeada pelo Estado, o que é no mínimo incoerente, afinal o projeto que também é defendido pela mesma Bancada diz que mulheres em situação de violência sexual não devem ser atendidas pelo SUS, de qual dignidade estamos falando? De que vida se está falando?

No artigo 13 no referido projeto de lei diz:

Art. 13. O nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes direitos:
I – direito à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da mãe;
II – direito de ser encaminhado à adoção, caso a mãe assim o deseje.

 

  • 1º Identificado o genitor do nascituro ou da criança já nascida, será este responsável por pensão alimentícia nos termos da lei.
  • 2º Na hipótese de a mãe vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos até que venha a ser identificado e responsabilizado por pensão o genitor ou venha a ser adotada a criança, se assim for da vontade da mãe.

À proposição principal, foram apensados os seguintes projetos:

  • PL 489/07, de idêntico teor, também dispõe sobre o Estatuto do Nascituro;
  • PL 1.763/07, que dispõe sobre a assistência à mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro;
  • PL 3.748/08, que autoriza o Poder Executivo a conceder pensão à mãe que mantenha criança nascida de gravidez decorrente de estupro.

Dentro da trajetória legislativa mais recente surge a PEC 1816 que inicialmente propõe tratar sobre licença maternidade para bebês prematuros, mas vira um cavalo de troia e se torna uma Proposta de Emenda Constitucional que visa falar sobre concepção de vida, entendendo que a vida começa com o coito e dessa forma até pílula do dia seguinte seria considerado aborto. O mais assustador dessa PEC foi não somente a proibição de toda forma de aborto, inclusive os legais, mas principalmente por ter sido votado por 18 (dezoito) homens votando contra os direitos das mulheres e a favor da PEC, tendo apenas 1 (uma) mulher que votou contra a PEC e pelo direitos das mulheres.

Há um mito terrível que se ecoa de que descriminalizar o aborto irá banalizar o aborto, como se fosse algo prazeroso para as mulheres. Países que descriminalizaram, como o Uruguai, mostram que, na verdade, é o contrário. Antes houve diminuição de cerca de 30% de abortos. O que acontece com a descriminalização é a abertura à discussão e possibilidade de pesquisa para garantir que as mulheres tem cada vez mais tranquilidade de realizar o procedimento sem que corram risco de morte.

O aborto tem sido reconhecido pela ONU7 e Anistia Internacional como um Direito Humano, em 2016 a ONU condenou o Peru por impedir uma mulher no ano de 2001 a realizar um aborto mesmo tendo sido confirmada má formação do feto. Para além do impedimento, em 2014 trinta e três mulheres foram presas pela prática do aborto no Brasil8. Em fevereiro deste ano após passar 10 anos na prisão por dar à luz um bebê morto, devido a complicações na gravidez, Teodora Del Carmen Vásquez foi solta em El Salvador, ainda 27 mulheres permanecem presas devido a legislação rigorosa de El Salvador9.

Em 2016 um caso foi levado a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, que proferiu decisão no dia 29/11/2016 entendendo que a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação fere os direitos fundamentais da mulher. O voto foi apresentado pelo ministro Luís Roberto Barroso, seguido pelos ministros Rosa Weber e Edson Fachin10. Atualmente está em curso uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental sob número 442 de autoria do Partido Socialismo e Liberdade para que o aborto seja descriminalizado abortos realizados até 12 (doze) semanas. A proposta de ADPF11 surge a partir da citada decisão de Barroso com a fundamentação da pesquisa do Instituto Anis, instituto dirigido pela antropóloga e professora de Direito da Universidade Nacional de Brasília Débora Diniz que está sofrendo duras criticas e ameaças em razão de seu ativismo.

Nos próximos dias, mais especificamente 03 e 06 de agosto serão debatidos no STF sobre a descriminalização do aborto até 12 semanas no Brasil e pensar nos países que já descriminalizaram e como os números de morte por aborto chegam quase a zero, como Cuba, Portugal, Colômbia, Uruguai, mostra que é preciso avançar na autonomia do corpo das mulheres. Mulheres brancas pagam pelo aborto em clínicas especializadas, negras e pobres morrem por fazerem por conta própria, sem acompanhamento médico e quando ao serviço público de saúde são humilhadas e negligenciadas no atendimento.

Quero terminar esse texto deixando uma pesquisa realizada pelo site Catraca Livre12 com 8 (oito) dados assustadores sobre aborto no Brasil e convido a reflexão se mantiver como crime vai impedir que mulheres façam? Não vai, o que podemos e devemos fazer é garantir que mulheres não morram em razão da prática clandestina de aborto.

 

1. A cada dois dias, uma mulher morre vítima de aborto inseguro no Brasil. Todos os anos, ocorrem 1 milhão de abortos clandestinos.

2. São 250 mil internações no SUS (Sistema Único de Saúde) e R$ 142 milhões gastos por causa de complicações pós-aborto.

3. Uma em cada cinco mulheres até os 40 anos já abortaram no país, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, desenvolvida pela Anis – Instituto de Bioética.

4. As mulheres que abortam são, em geral, casadas, já têm filhos e 88% delas se declaram católicas, evangélicas, protestantes ou espíritas.

5. Cerca de 20 milhões dos abortos são realizados no mundo de forma insegura todos os anos, resultando na morte de 70 mil mulheres, sobretudo em países pobres e com legislações restritivas ao aborto.

6. 97% dos abortos clandestinos ocorrem em países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, 80% dos países desenvolvidos permitem o procedimento.

7. Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde e do Instituto Guttmacher (EUA), publicada em 2016, demonstrou que nos países em que o aborto é proibido o número de procedimentos não é menor do que em lugares onde é legalizado.

8. Em 2007, Portugal autorizou o aborto até as 10 semanas de gestação. Dez anos depois, pesquisa da ONG Associação para o Planejamento da Família mostra que o número de abortos caiu e as mortes decorrentes da prática são quase nulas. Na década de 1970, eram 100 mil abortos, sendo que 2% deles resultavam em morte, enquanto dados de 2008 mostram que o país registrou 18 mil abortos e, hoje, este número está em queda constante.

 

VIVAS NOS QUEREMOS!

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