Publicado originalmente no Correio Braziliense
A mudança no marco legal, por si só, não será suficiente para atenuar os índices de casamento infantil. Para especialistas ouvidos pelo Correio, faltam mecanismos de inserção social, de promoção à educação e de desenvolvimento social. Sem isso, meninas e meninos país a fora continuarão vendo no casamento a única alternativa para, supostamente, melhorar de vida.
Débora Diniz, antropóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), destaca a necessidade da criação de projetos de vida. “Temos que sensibilizar culturalmente as pessoas para não fragilizar ainda mais essas meninas alterando somente o marco legal. Quanto mais isoladas, sem acesso à informação e sem acesso a mecanismos do Estado para ter um projeto de vida, elas acreditam que é preciso reproduzir o modelo que veem nas mãe e avós. Projeto de vida passa por acesso a transporte, a segurança e a escola”, defende.
O professor Frederico Viegas de Lima, da Faculdade de Direito da UnB, é registrador civil em um cartório do Paranoá, distante 20km do Plano Piloto. Ele conta que, na cidade, há um número “grande e estável” de casamentos infantis. “Muitos jovens chegam com os pais para se casar. Isso é assustador. O pai vai ao cartório e assina o documento na minha frente. Eu projeto isso em meus filhos e me assusto. Tenho uma filha de 10 anos e fico pensando que pode ser ela daqui a quatro anos”, explica.
Para Lima, o freio na legislação ajuda, mas são necessários outros mecanismos para diminuir os índices de uniões prcoces. “É uma questão cultural. Esse é o primeiro passo, mas não o único. Tem de haver uma série de investimentos sociais, econômicos e culturais. Casar cedo, em muitas localidades e realidades, é muito normal e isso vai se perpetuando por gerações. Nesse contexto, as pessoas mais expostas são as mais pobres”, conclui.
Na última década, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), foram evitados 25 milhões de casamentos de crianças e adolescentes em todo o mundo. A entidade é categórica: os índices regrediram com várias medidas, entre elas, alterações na legislação, mas também com incentivos à educação. A entidade estima que 12 milhões de meninas ainda se casem todos os anos. ( OA)