A antropóloga Débora Diniz, uma das principais articuladoras da descriminalização do aborto no Brasil, concorda com o juiz. Para ela, a saída é votar ou julgar o tema no Congresso ou na Suprema Corte.
“O caminho do Legislativo e do Judiciário são os mais adequados e corretos para se pensar o aborto neste momento. Temos um código penal de quase um século que criminaliza o aborto. Então, para a política pública se movimentar ela precisa de uma modificação e interpretação à luz da Constituição. Quem é que faz isso? A suprema Corte e o Congresso Nacional. Eles são os legitimados para isso”, diz. Débora encabeçou o movimento que conseguiu a descriminalização do aborto para casos de malformação, permitida pelo STF desde 2012.
Além dos dois representantes, outras entidades ligadas aos direitos reprodutivos da mulher já apresentaram publicamente ressalvas a qual pergunta poderia ser feita na hipótese de um plebiscito nacional.
“Não se poderia perguntar se ‘você é contra ou a favor ao aborto’. Não se questiona se alguém é a favor ou não de uma religião, pois as pessoas que devem decidir a própria vida. A pergunta poderia ser: ‘você acredita que uma pessoa deva ir para a prisão [por fazer aborto]?’. É uma questão penal. Isso poderia ser feito em pesquisas de opinião, pois não estou nem considerando um plebiscito”, diz Débora.
Marina Silva, por exemplo, afirmou em maio que a questão pode ser elaborada com a união de “médicos, advogados, filósofos, feministas, religiosos”. “A gente tem que perguntar, por exemplo, o que é melhor para dar suporte ao que [a mulher] não deseja”, disse.
Plebiscito costuma ser usada para questões mais amplas, diz estudiosa
A pós-doutora no Centro de Política e Economia do Setor Público (FGV-CEPESP) Lara Mesquita explica que a questão é ampla.
“Há uma corrente política que vê que um instrumento majoritário prejudique camadas minoritárias. Por isso, o plebiscito costuma ser usado para tratar questões mais gerais de gestão do Estado”, explica. Por exemplo, nossa Constituição prevê o uso do plebiscito em toda criação de um novo estado ou município, como ocorreu no Pará [em 2011, quando os paraenses decidiram por não dividir o estado em três regiões]”, explica.
Segundo a Constituição, um terço dos congressistas do Senado ou da Câmara Federal precisam ser favoráveis à abertura de um plebiscito — e não somente por ordem do presidente.
Se aprovado, grupos organizados podem palpitar a favor ou contra a questão apresentada pelos políticos. Não há uma regra para se formular a pergunta.
A principal distinção entre plebiscito e referendo no Brasil é que o primeiro é convocado antes da criação da lei ou do novo território. Já o referendo é convocado depois da criação da lei, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta. Os dois servem como consulta popular e não se transformam automaticamente em lei. “Também há um custo para se fazer isso. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que é melhor realizá-lo juntamente com as eleições tradicionais”, explica a estudiosa.
Lá e aqui
Na Irlanda, o referendo também é um preceito viável devido ao tamanho da população, na casa dos 4 milhões, o que torna a decisão um pouco mais “coesa”, pontua a pesquisadora. Além disso, a constituição irlandesa também sugere o presidente leve questões de importância nacional à população — e em casos de emendas constitucionais.
Não à toa, o país tem um histórico de decisões deste tipo. Foi por meio de um referendo que a população aprovou o casamento homoafetivo, em 2013. Naquele mesmo ano, a lei foi flexibilizada para se permitir aborto em caso de risco de vida para a mãe. Além disso, a emenda garantia 14 anos de prisão para a mulher e o médico que fizessem o procedimento.
Na Argentina, onde se escolheu a via da votação no Congresso, a decisão mostrou congressistas ainda divididos sobre o assunto. A interrupção da gravidez até a 13ª semana foi aprovada com 129 votos a favor e 125 contra, com apenas uma abstenção. A decisão seguiu para o Senado.