por Gabriela Rondon
Publicado originalmente no Jota
As taxas de aborto no mundo estão em queda. Estudo publicado em março de 2018 pelo Instituto Guttmacher mostra que a tendência global tem sido essa nos últimos 25 anos, mas não por mudanças homogêneas em todos os países. As taxas estão caindo porque as mulheres estão abortando menos nos países onde a prática é legalizada.
Pode parecer contraintuitivo, mas não é: uma vez que o tema não seja mais objeto de punição, é possível acolher as mulheres em serviços de saúde e compreender onde a política de planejamento familiar falhou, para assim melhorá-la. É possível compreender se a mulher não teve acesso a contraceptivos ou não sabia como melhor usá-los, se encontrou obstáculos com seu parceiro para negociar os métodos ou sofria violência, e cialis generique assim agir para evitar que ela precise decidir por outro aborto – e ajudar a evitar que outras precisem do primeiro. Assumir os processos reprodutivos como questões relacionadas à saúde e não ao crime fortalece políticas de prevenção, baseadas na educação integral em sexualidade, no acesso à informação e a serviços sensíveis à complexidade da questão. Os dados mostram que funciona.
Já nos países onde o aborto é criminalizado não houve alteração significativa do fenômeno. Talvez seja possível concluir duas coisas sobre essa estabilidade: que as necessidades das mulheres em relação à saúde sexual e reprodutiva continuam as mesmas nesses países, e que a lei penal não é capaz de intervir nesse cenário. O Brasil está na região de piores índices: América Latina e Caribe apresentam as taxas mais altas do globo, com 44 abortos provocados por ano a cada mil mulheres em idade reprodutiva.
No mesmo mês de março, poucos dias após o lançamento do estudo, a ministra Rosa Weber anunciou a convocatória para audiência pública na ADPF 442, que propõe interpretação conforme à Constituição aos artigos 124 e 126 do Código Penal, para entender inconstitucional a criminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. A ministra afirmou em seu despacho que este era “um dos temas jurídicos mais sensíveis e delicados” e que, “a complexidade da controvérsia constitucional, bem como o papel de construtor da razão pública que legitima a atuação da jurisdição constitucional na tutela de direitos fundamentais, justifica a convocação de audiência pública como técnica processual adequada”.
O artigo 6º, parágrafo 1º da Lei 9.882/99 ajuda a entender o que a ministra quer dizer por “técnica processual adequada” para a controvérsia constitucional complexa: prevê a audiência pública como possibilidade de o tribunal se abrir a ouvir “pessoas com experiência e autoridade na matéria”. É o momento em que a mais alta corte de justiça do país reconhece que não se julga sobre direitos fundamentais longe das evidências de como a lei impacta a vida das pessoas. A realidade precisa informar o justo.
As inscrições para a audiência se encerraram no último dia 25 de abril, e ainda é preciso aguardar a lista final de especialistas convocados e a data precisa para o debate a acontecer em junho deste ano. Nessa espera, podemos já elencar algumas expectativas: que se possa na audiência falar sobre magnitude do fenômeno no país: uma mulher aborta por minuto, apesar da lei penal. Que se possa conhecer os itinerários de dor das famílias que perderam suas filhas mortas em um aborto clandestino. Ou que se possa conhecer as experiências dos países que, com sucesso, descriminalizaram o aborto para torná-lo menos comum. Assim, talvez o Brasil se junte a essa lista: a de países que compreendem que, para proteger a vida, é inevitável cuidar das mulheres.