por Debora Diniz
Publicado originalmente na Carta Capital
Gilza é mãe de Maria Giullia. Conheci as duas em uma reunião com várias famílias afetadas pelo vírus zika em um centro de referência para cuidados em Maceió. Fui ali para contar a história da chegada do zika no Brasil, partilhar o que ouvi de outras famílias do Rio de Janeiro ou da Paraíba.
Fui rápida, era mais importante ouvir que falar. Esperei perguntas. Gilza não se acanhou em contar histórias de discriminação. Sua voz vinha cortada pelo choro de quem ainda não entendeu por que rejeitam Maria Giullia.
No início da epidemia, visitei algumas das mulheres que estavam na reunião. Os bebês eram ainda recém-nascidos. As famílias não falavam em preconceito, mas em “curiosidade” de vizinhos ou desconhecidos.
Alguns pediam para tirar a touca da cabeça do bebê, outros pediam para tirar fotos. Quase um ano depois de minha primeira visita, curiosidade ganhou outro nome: preconceito.
Gilza se move de maneira mais lenta que os outros passageiros no ônibus, pois carrega uma criança a cada dia mais pesada, além de muitas vezes ter que se movimentar com a outra filha a tiracolo. É comum entrar em ônibus lotados, e não haver quem lhe ceda lugar, ou não conseguir atravessar a roleta com a pressa exigida pelo cobrador ou motorista.
O ônibus é um pedacinho da geografia do mundo. Seria fácil acusar os quase 600 cobradores e motoristas de Maceió de discriminação. É verdade que sensibilizá-los é um caminho para que Gilza e Maria Giullia não temam sair de casa.
A conversa, no entanto, não deve ser apenas sobre eles, mas sobre todos nós. A discriminação contra a deficiência está no mundo. E pouco falamos sobre ela.
Zika não se foi do Brasil, nem pelo mosquito que é abundante, e menos ainda pelo legado que nos deixou. São milhares de crianças à espera que seus direitos sejam protegidos, sendo o de ir e vir livre de discriminação um dos mais básicos para a vida.
Maria Giullia tem o direito de entrar no ônibus com sua mãe e ser acolhida como qualquer outra criança. Em breve, baterá à porta das escolas e sua chegada precisa ser um sinal de que o Estado não abandona suas vítimas.