por Débora Diniz
Publicado originalmente em The Huffington Post
As manchetes foram da cabeça raspada de um dos homens mais ricos do país ou sobre suas refeições no presídio. As notícias são um claro sinal de como nos surpreende um milionário bandido. Ou melhor, um milionário bandido ter sido pego pela polícia e preso.
Não me recordo – e registro a surpresa com honestidade – de um traficante da favela, negro e pobre, ter causado manchete de jornal quando o presídio o vestiu de uniforme ou raspou sua cabeça. Há muito os estudos de sociologia mostram que essas práticas de “mortificação do corpo” são injustas e desnecessárias para a ordem do sistema prisional. Mas desde sempre foram aplicadas em gente desrespeitada na vida fora das grades.
Não comemoro a prisão de ninguém. Nem dos milhares anônimos que todos os dias atravessam o inferno dos presídios, nem dos milionários arrogantes com histórico de exuberância ou exibicionismo.
A multidão anônima que chega aos presídios não passou por universidade, nem conheceu Manhattan, vive em integral insegurança pelas guerras anteriores e pela superlotação. Também não me recordo de ter acompanhado preocupações com a segurança do preso “sem nível superior” ao ser encaminhado para uma cela comum.
Ora, meu objetivo não é desprezar as garantias mínimas reclamadas para o milionário bandido preso, mas estranhar por que todas elas não são sempre garantias do anônimo que chega ao presídio.
A razão é simples e já muito alardeada – porque a multidão que chega ao sistema prisional é de gente que nos acostumamos a ter medo, não queremos perto de nós, pois incomoda a tranquilidade do uso de celular na rua ou de dirigir com janelas abertas no carro. Eike, se for mesmo o bandido que se anuncia, não mexeu com nossa tranquilidade na esquina, seu crime é muito maior, talvez por isso nos dê uma falsa sensação de celebridade em show. Se for bandido, é de gente como ele que as políticas criminais deveriam estar atentas – pessoas que não possuem nenhum atenuante de vida para justificar o desrespeito à lei. Se roubou mesmo, roubou pela ambição mesquinha de ser milionário.
Não preciso aqui criar mitos de bandidos como bons selvagens.
Mas ignorar que há condicionantes ou facilitadores sociais que movem um sujeito da vida dura do chão de fábrica para o mundo do crime é desconhecer a história de Nem. Vale ler a biografia, “O dono do morro”, de Misha Glenny, e acompanhar a história de Eike como um espelho – se, no primeiro, há a longa recusa ao mundo do tráfico, uma tentativa de ser o homem de bem, pai de família e cuidador da filha, no segundo, só conhecemos a extravagância da Ilha de Caras.