As organizações abaixo assinadas expressam nossa profunda preocupação com os casos de meninas que são vítimas de violência sexual, gravidez e maternidade forçada no Brasil. Esta é uma situação sistemática, resultante da falta de medidas de proteção e dos persistentes obstáculos ao acesso ao aborto legal no país. Portanto, pedimos ao Estado brasileiro que cumpra suas obrigações internacionais em matéria de direitos das mulheres e meninas, que garanta particularmente os direitos sexuais e reprodutivos de meninas, e que ponha fim à maternidade forçada no Brasil.
Recentemente, tomamos conhecimento do caso de uma menina de 11 anos que está atualmente enfrentando sua segunda gravidez forçada como resultado de estupro no Estado do Piauí, Brasil. Apesar de inicialmente expressar sua vontade de interromper sua gravidez, a ‘Menina P’ – pseudônimo usado para proteger sua identidade – enfrentou inúmeros obstáculos e atos de dissuasão para acessar o serviço, o que resultou em sua desistência. ‘Menina P’ está atualmente em sua segunda gravidez em um abrigo com seu primeiro filho, em uma frágil situação de saúde física e mental.
Neste caso, soubemos que as autoridades do Estado do Piauí não tomaram as medidas necessárias para proteger a menina, apesar de estar ciente da situação vulnerável em que se encontrava após o primeiro estupro e a maternidade forçada da qual foi vítima, em vista da violência familiar à qual foi exposta. Da mesma forma, as instituições do Estado não adotaram medidas positivas para garantir seu direito à informação e aconselhamento sobre saúde sexual e reprodutiva com base em evidências científicas e seu direito de acesso aos cuidados e serviços de saúde como sobrevivente de violência sexual, bem como medidas para ouvir sua voz e respeitar seu desejo inicial de acessar o aborto legal de acordo com o desenvolvimento de suas capacidades.
Pelo contrário, as ações do Estado colocaram a vida e a saúde da Menina P em sério risco ao não atenderem à sua vontade de ter acesso a um aborto. Em particular, no centro médico para onde a menina foi, ela recebeu informações imprecisas sobre os riscos de interrupção da gravidez. Além disso, a equipe que a atendeu minimizou os múltiplos problemas de saúde e os riscos que a gravidez e o parto podem representar para uma menina de 11 anos. Além do mais, ‘Menina P’ enfrentou obstáculos legais para que seus desejos fossem respeitados, tais como um defensor público ter sido designado para o feto.
A situação da ‘Menina P’ é infelizmente recorrente no Brasil. De acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, em 2020, 17.500 meninas passaram por gravidezes forçadas como resultado de violência sexual. Recentemente, em Santa Catarina, um caso semelhante gerou estigmatização e perseguição judicial contra profissionais de saúde que realizaram uma interrupção da gravidez de acordo com a lei. A este respeito, deve-se lembrar que, no Brasil, o acesso ao aborto é legal em casos de risco à vida da gestante, em casos de estupro e, por decisão do Supremo Tribunal Federal em 2012, em casos de anencefalia.
Rechaçamos decisões e medidas tomadas pelo Estado brasileiro que vão claramente contra suas obrigações internacionais de direitos humanos e, em particular, contra os direitos das meninas. Como exemplificado pelo caso da ‘Menina P’, o Brasil continua a ignorar as recomendações de múltiplos órgãos de tratados da ONU e dos órgãos de proteção dos direitos humanos do sistema interamericano. Preocupa-nos particularmente que as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2022 sobre o aborto, segundo as quais as informações científicas devem ser fornecidas àqueles que solicitam a interrupção da gravidez, não sejam levadas em consideração. Além disso, vale a pena lembrar que as meninas, por causa de seu sexo e idade, devem gozar de maior proteção.
A violência contra meninas deve cessar imediatamente. Meninas não podem continuar sendo violadas e forçadas a se tornarem mães em detrimento de seus direitos fundamentais, tais como sua vida, saúde e o livre desenvolvimento de seus projetos de vida.
Portanto, exigimos urgentemente ao Estado brasileiro:
O Estado do Brasil deve pôr fim à violência sexual contra meninas, à gravidez precoce e à maternidade forçada: elas são meninas, não mães!